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Texto - São Paulo Fevereiro 2014 by Ronaldo Evangelista Lyrics

Genre: misc | Year: 2014

Criar junto é uma experiência íntima. Compartilhar inspirações e realizações demanda não apenas confiança como simbiose. Exercício de entrega e atenção, criação espontânea de acordo com momento, emoções, parceiro. As sessões de gravação do disco Goma-Laca, durante alguns dias no estúdio Traquitana, aconteceram sob clima mágico e calor. Canalizando sensibilidades e sonoridades, o maestro Letieres Leite desenhou arranjos a partir do encontro com cada músico, da personalidade de cada cantor, de inflexões de cada canção, da vontade de cada clave rítmica.

Estudo clássico e metodologia formal fazem parte da linguagem de Letieres, mas sua formação e abordagem vem embebidas da tradição oral que sobrevive os ritmos ancestrais inesgotavelmente influentes para a música popular contemporânea. Liderando a banda com seu gan e sua flauta, como um Abigail Moura ou um Moacir Santos em versão de câmara, Letieres montou temas para pequena banda com uníssonos de baixo acústico e piano elétrico, sobre bateria enérgica e elegantes claves de percussão afrobaiana. Sonoridade spiritual jazz de elementos passados e presente, sacros e profanos.

Foi uma semana intensa dentro do estúdio, entre sessões de criação e gravação. Coletivo inspirado: banda se conhecendo, se ouvindo e se respondendo, aprendendo e ensinando, com maestro a um milhão por hora. Arranjos nascendo da energia somada regida por Letieres, sobrepondo ostinatos de contrabaixo e mão esquerda do piano, liderando o cortejo do ritmo, dançando intenções, passeando por convenções e variações, criando riffs e solos e especiais, solfejando partes, moldando mapas, jogando ideias para músicos e cantores e sentindo o que gerava o atrito criativo.

Para captar à vera o que surgia, gravamos à moda antiga, sem exagerar a microfonação, em menos de 16 canais, com a banda na mesma sala, se olhando, quase sem fone de ouvido, som quente, tudo ao vivo, tocando todo mundo junto, incluindo a voz. Atenção, silêncio no estúdio, gravando, tocávamos no máximo dois ou três takes e o bom valia. Quase sempre o primeiro inteiro já foi o valendo, pronto.

Deu caldo juntar o maestro baiano com a banda especialmente formada, músicos instigantes de São Paulo, cantores passionais e repertório escolhido com carinho. Emocionante assistir o solo de bateria de Sergio Machado de tirar o fôlego na abertura de “Minervina”, a expressividade de Marcos Paiva ao contrabaixo na parte B de “Ogum”, o batuque de piano em “Batuque” ou o incrível solo em “Do Pilá” de Hercules Gomes, o solo de flauta em G de Letieres em “Ogum”, a percussão aristocrática do mestre Gabi Guedes por todo o disco.

Juntos na viagem, intérpretes que se jogaram sem rede de proteção no descobrimento musical. Corrente de criatividade buscando as origens e atualidades das canções e encontrando juntos novos significados. Lucas Santtana à vontade, malandro e casual relendo nosso ídolo Almirante, na ponte entre embolada e rap cantado. Karina Buhr representando vento e passarinho fora da gaiola, girando a lua com cantos imbuídos dentro da gente. Russo Passapusso em ponto de bala de sensibilidade e talento, bebendo com sede e personalidade tudo entre candomblé e afoxé, jazz e funk, ragga e capoeira, Bahia, Brasil, São Paulo e Mundo. Juçara Marçal cada vez mais no auge de sua voz, cantando com Russo e liderando o ritual amoroso. Toda música é sagrada.