Ela by Joo Gouveia And His Magic Band Lyrics
Ela não é simpática. Bem, tem os seus dias. Já vamos nisto há uns anos, sabes, eu, e ela, e as raízes, e o cheiro suplicante da madeira a digerir-se em terra.
É bastante silencioso aqui. Quieto. Uma escuridão obtusa. Ela não ajuda muito. Preenche o espaço, somente; às vezes oiço-a a vaguear, solenemente, pelo teto, o seu véu arranhando-me a cara, a sua respiração pintando-se em negro, sempre em negro, sempre tudo em negro.
Não fala muito. Na realidade, acho que não fala de todo. Às vezes convenço-me de ouvir um murmúrio, um leve borbulhar da água, um preguiçoso e macilento martelar, um arrastar mais prolongado da sua boca sobre as minhas pálpebras. Ou talvez tudo isto seja só uma outra língua, quem sabe, a língua dos exilados.
Fui sepultado num cemitério. Muito contra a minha vontade, devo dizer, empurrado e engolido pela terra, ao lado dos meus avós, horríveis vizinhos, sempre a gemer, sempre a suspirar.
Nem na morte há paz.
Pergunto-me se é isto que os mortos fazem juntos. Procriar. Gerar espetrozinhos. Já bem bastava vocês e as vossas rugas pisarem-me o chão da casa velha, sufocarem-me nos vossos lençóis de hospital, nesse sítio com cheiro a amarelo. Eu dei-vos esta casa. Vi-vos a moverem-se para o naco de terra ao lado do meu. Ofereci-vos flores como acolhimento. Perguntei-vos como era aí em baixo. Se estava frio. Vocês não responderam. Vocês nunca responderam.
A minha companheira não está muito disposta a isso, pelos vistos. Tentei forçar o caso, mas é ela que estabelece as exigências aqui. Eu não tenho palavra a dar no assunto (eu não tenho palavras a dar, ponto). Mas não me importo. Acho-lhe graça. Ela é ainda mais bela agora do que no dia em que a conheci. As feições adoçam-se com as sombras, a pedra pressiona a sua pele contra o que resta da minha, o seu toque perfura-me, arranha-me os ossos, sedosa, sedutora, segura de si. Ela sabe, sabe-me, sabe-se. Escreve-me num amor, pouco mais que nada, mesmo que inverso.
É bastante silencioso aqui. Quieto. Uma escuridão obtusa. Ela não ajuda muito. Preenche o espaço, somente; às vezes oiço-a a vaguear, solenemente, pelo teto, o seu véu arranhando-me a cara, a sua respiração pintando-se em negro, sempre em negro, sempre tudo em negro.
Não fala muito. Na realidade, acho que não fala de todo. Às vezes convenço-me de ouvir um murmúrio, um leve borbulhar da água, um preguiçoso e macilento martelar, um arrastar mais prolongado da sua boca sobre as minhas pálpebras. Ou talvez tudo isto seja só uma outra língua, quem sabe, a língua dos exilados.
Fui sepultado num cemitério. Muito contra a minha vontade, devo dizer, empurrado e engolido pela terra, ao lado dos meus avós, horríveis vizinhos, sempre a gemer, sempre a suspirar.
Nem na morte há paz.
Pergunto-me se é isto que os mortos fazem juntos. Procriar. Gerar espetrozinhos. Já bem bastava vocês e as vossas rugas pisarem-me o chão da casa velha, sufocarem-me nos vossos lençóis de hospital, nesse sítio com cheiro a amarelo. Eu dei-vos esta casa. Vi-vos a moverem-se para o naco de terra ao lado do meu. Ofereci-vos flores como acolhimento. Perguntei-vos como era aí em baixo. Se estava frio. Vocês não responderam. Vocês nunca responderam.
A minha companheira não está muito disposta a isso, pelos vistos. Tentei forçar o caso, mas é ela que estabelece as exigências aqui. Eu não tenho palavra a dar no assunto (eu não tenho palavras a dar, ponto). Mas não me importo. Acho-lhe graça. Ela é ainda mais bela agora do que no dia em que a conheci. As feições adoçam-se com as sombras, a pedra pressiona a sua pele contra o que resta da minha, o seu toque perfura-me, arranha-me os ossos, sedosa, sedutora, segura de si. Ela sabe, sabe-me, sabe-se. Escreve-me num amor, pouco mais que nada, mesmo que inverso.