Texto - Novas órbitas: 78 RPM by Biancamaria Benazzi Lyrics
A partir de pescarias em acervos digitais, relançamentos em vinil e CD e arquivos de coleções particulares disponíveis em blogs e redes gramofônicas, criamos o repertório deste disco sem colocar para girar nenhuma chapa. É difícil “pegar” um 78 rpm para escutar. Bom saber que em tempos digitais a música já pode resistir à poeira, quedas, riscos, mudanças e netos desapegados.
Assim como os discos, a inspiração musical dos africanos escravizados no Brasil e seus descendentes resiste também. Em tempos em que a prática musical afrobrasileira era motivo de dura perseguição policial, desde as rodas de capoeira até os cultos
religiosos, as histórias contadas por João da Baiana, J.B. de Carvalho, Almirante e Mário de Andrade mostram o desafio de revelar no disco, no rádio, no palco ou na rua, o mexemexer dos atabaques ancestrais.
Sem intenções etnológicas musicais ou religiosas, buscamos um recorte fonográfico, à procura de rastros da música de tradição oral
na indústria do disco que acabava de nascer. Cantigas de longe, no relógio e no mapa.
A busca pelos discos e suas histórias começou no acervo da Discoteca Oneyda Alvarenga do Centro Cultural São Paulo, a casa do Goma-Laca. Idealizada por Mário de Andrade em 1935, a Discoteca tinha a missão de formar músicos e compositores a partir do acesso à música “folclórica” e de concerto. A pesquisa seguiu pelas coleções particulares de dois grandes guardiões da música tradicional popular em tempos de gramofone: Almirante (MIS-RJ) e Mário de Andrade (IEB-USP). No acervo de Almirante, além dos discos, estavam as fotografias da gravação do programa Curiosidades Musicais, em que o músico e radialista levou para o estúdio da Rádio Nacional o “bárbaro e curioso” berimbau. Da coleção de Mário conhecemos os famosos encartes de cartolina em que o poeta-musicólogo escrevia suas impressões sobre cada disco, e escutamos a versão reprovada do batuque africano “Babaô Miloquê”, de Josué de Barros, ainda mais experimental e provocadora. Uma tarde com Vanja Orico, no Flamengo, despertou uma escuta-conversa sobre Zé do Norte e Caymmi, mensageiros da tradição popular que vinha do Nordeste para desembarcar no disco. As chapas que faltavam foram encontradas nos acervos particulares dos amigos de chiado Dijalma Cândido, Miguel Nirez e Gilberto Inácio Gonçalves. Completado o álbum, os discos estavam prontos para o ritual Goma-Laca.
No estúdio, o maestro dançarino senta, escuta o 78 rpm em mp3 e reconhece alguma coisa de lá. Pé. Joelho gira. A música veste os braços e alcança os dedos que dançam. Partículas pulsam pelos ares, e o velho disco recomeça a girar numa órbita ainda mais furiosa que as 78 por minuto. Obrigada a todos que conduziram esta música de longe até aqui, viva e nova.
Assim como os discos, a inspiração musical dos africanos escravizados no Brasil e seus descendentes resiste também. Em tempos em que a prática musical afrobrasileira era motivo de dura perseguição policial, desde as rodas de capoeira até os cultos
religiosos, as histórias contadas por João da Baiana, J.B. de Carvalho, Almirante e Mário de Andrade mostram o desafio de revelar no disco, no rádio, no palco ou na rua, o mexemexer dos atabaques ancestrais.
Sem intenções etnológicas musicais ou religiosas, buscamos um recorte fonográfico, à procura de rastros da música de tradição oral
na indústria do disco que acabava de nascer. Cantigas de longe, no relógio e no mapa.
A busca pelos discos e suas histórias começou no acervo da Discoteca Oneyda Alvarenga do Centro Cultural São Paulo, a casa do Goma-Laca. Idealizada por Mário de Andrade em 1935, a Discoteca tinha a missão de formar músicos e compositores a partir do acesso à música “folclórica” e de concerto. A pesquisa seguiu pelas coleções particulares de dois grandes guardiões da música tradicional popular em tempos de gramofone: Almirante (MIS-RJ) e Mário de Andrade (IEB-USP). No acervo de Almirante, além dos discos, estavam as fotografias da gravação do programa Curiosidades Musicais, em que o músico e radialista levou para o estúdio da Rádio Nacional o “bárbaro e curioso” berimbau. Da coleção de Mário conhecemos os famosos encartes de cartolina em que o poeta-musicólogo escrevia suas impressões sobre cada disco, e escutamos a versão reprovada do batuque africano “Babaô Miloquê”, de Josué de Barros, ainda mais experimental e provocadora. Uma tarde com Vanja Orico, no Flamengo, despertou uma escuta-conversa sobre Zé do Norte e Caymmi, mensageiros da tradição popular que vinha do Nordeste para desembarcar no disco. As chapas que faltavam foram encontradas nos acervos particulares dos amigos de chiado Dijalma Cândido, Miguel Nirez e Gilberto Inácio Gonçalves. Completado o álbum, os discos estavam prontos para o ritual Goma-Laca.
No estúdio, o maestro dançarino senta, escuta o 78 rpm em mp3 e reconhece alguma coisa de lá. Pé. Joelho gira. A música veste os braços e alcança os dedos que dançam. Partículas pulsam pelos ares, e o velho disco recomeça a girar numa órbita ainda mais furiosa que as 78 por minuto. Obrigada a todos que conduziram esta música de longe até aqui, viva e nova.